Por sorte, este ano a RAG acertadamente decidiu dedicar a comemoração das Letras Galegas ao grande galeguista, literato, filólogo e educador, Ricardo Carvalho Calero. Por este motivo este ano vão sair à luz numerosas publicações a ele dedicadas, algumas das que já sairam do prelo nos primeiros meses deste ano.
Embora, não hão de ser muitas as dedicadas à sua importante faceta de educador, um tema bastante esquecido no seu excelente labor ao largo da sua vida. Por isto, hoje eu quero lembrar, porque muito o merece, o seu labor pedagógico dirigindo o colégio Fingoi luguês, rendendo-lhe assim a homenagem a uma pessoa que sempre apreciei e valorei. Como filólogo, infelizmente não lhe deixaram ser o nosso Pompeu Fabra. Mas os que sim o apreciamos o consideramos como tal.
Já tenho escrito vários artigos nos últimos anos dedicados à sua figura tão respeitável, tão importante, tão digna e tão senlheira. Esta vez quero falar de uma sua faceta muito pouco conhecida embora de grande importância e interesse. Quero escrever sobre o seu labor de pioneiro pedagógico, como um educador modélico que seguia os princípios educativos da Instituição Livre do Ensino (I.L.E.), criada por Francisco Giner de los Rios em 1876, com a colaboração de outros professores. E continuada pelo grande pedagogo, discípulo seu, Manuel Bartolomé Cossio. Considero este movimento pedagógico como o mais importante que houve na Europa até meados dos anos trinta, em que foi proibido pelos fascistas. Carvalho Calero conhecia perfeitamente o pensamento educativo de ambos e o levou à prática no Colégio Fingoi de Lugo, que dirigiu desde 1950, até que entrou como professor de língua e literatura galega na Faculdade de Filosofia e Letras compostelana a finais dos sesenta. Primeiro como interino e logo como catedrático, o primeiro da nossa universidade para ensinar a nossa língua. Que continuou ensinando usando estratégias didáticas renovadoras e institucionistas. Também foi muito importante para a sua formação pedagógica o ter sido, desde abril de 1927 até 1936, membro ativo do Seminário de Estudos Galegos (SEG), ocupando por bastante tempo a sua secretaria geral. Lamentavelmente, a dia de hoje, aínda não recuperamos os galegos esta interessante instituição, tema que comentei mo meu último artigo. Como sim o fizeram, com as suas respeitivas, bascos e catalães.
Podemos considerar a Carvalho por todo isto como o verdadeiro pioneiro da renovação pedagógica da escola galega. O que pudo fazer, em anos tão duros como os cinquenta, num centro privado de vanguarda como o Fingoi luguês. Com o apoio do empresário filántropo António Fernández López, que inscreveu os seus filhos e os dos seus amigos e irmãos neste centro, criado com a sua ajuda económica. Ao mesmo, como docentes e/ou alunos estiveram vinculados Avelino Pousa Antelo, que dirigia a Escola-Granja de Barreiros, e os artistas e literatos Méndez Ferrín, Bernardino Granha, Arcádio López Casanova, ngelo Joham, Pácios, Ana Mª Pardo e o nosso grande amigo e auténtico artista Carlos Varela Veiga. No centro dirigido por Carvalho púnham-se em prática os métodos educativos e as técnicas didáticas da ILE e também do grande mestre galo Celestin Freinet. Entre elas devemos destacar o fomento da expressão teatral, organizando com os alunos diferentes representações dramáticas ao largo do curso, para as que ele próprio chegou a escrever várias obras e farsas. A investigação do entorno sócio cultural e natural, por meio de trabalhos em grupo, seguindo o modelo da biblioteca do trabalho, elaborada pelos próprios estudantes. A organização de obradoiros variados, para despertar afições positivas entre os alunos e fomentar o amor pelas artes. Por isso não deve extranhar que sairam deste colégio modélico, interessantes pintores, escultores, literatos e cineastas. A organização de saídas, passeios escolares e excursões educativas, realizando roteiros previamente programados, para estudar in situ a geografia, a história, a arte e o meio natural. Buscando, com estas estratégias didáticas, fomentar entre os alunos o amor pela nossa cultura, e lograr aprendizagens reflexivas, apreciativas e não abstratas. Porque, com a intuição, a participação ativa, o jogo e os métodos cooperativos, é como melhor se logra a formação inteletual, estética e humana dos rapazes. E se a isto lhe sumamos a alegria, a bondade e as palavras sempre agradáveis e ilusionantes de Carvalho, temos feita a verdadeira obra pedagógica dum pioneiro da escola moderna como ele. Por isso não deve surpreender que, quando se organiza no paço de congressos de Montjüic-Barcelona, em dezembro de 1983, o primeiro Congresso de Movimentos de Renovação Pedagógica do Estado Espanhol, pelos seus grandes merecimentos, Carvalho Calero foi convidado para estar presente nas diferentes atividades do mesmo. Eu formava parte da comissão organizadora do mesmo e realicei a proposta de convite, que me foi aceite. Foi um verdadeiro prazer te-lo entre nós durante a semana que durara o programa, e que fora encerrado pelo grande ministro Maravall. Guardo excelentes lembranças destas datas com Carvalho, sempre alegre, entusiasta e agradável.
E aínda me lembro quando visitamos o centro galego da capital catalana. Como me lembro também quando o levei, na década dos oitenta, no meu auto, à bela localidade portuguesa de Amarante, ao lado do rio Tâmega. Ali celebráva-se um Encontro de Poesia em Primavera. Carvalho pronunciara uma formosa conferência, que permanece aínda hoje na minha memória. Falara de que Galiza e Portugal são um mesmo povo, com uma língua e uma cultura comuns.
Quánta razão tinha Ricardo Carvalho!. Um homem que há permanecer sempre na nossa memória e no nosso coração. Por fim, depois de vários anos esperando, se lhe vai render pelas instituições públicas e as culturais galegas a homenagem que bem merece.