Cada vez mais, o galego se perde como uma língua oficial, apesar de o reitegracionismo buscar formas de implementar a língua e adotar uma padronização linguistica. Mas para irmos a este encontro, teríamos que mergulhar a fundo numa trajetória deixada por muitos anos. O certo é que se trata de um percurso que vem lutando incansavelmente, uma luta com muita resistência. “O não falar galego em Galicia, já é um fato muito antigo, é secular”. Apesar das diferenças linguisticas entre Portugal e Brasil, falamos português, sejam a favor ou contra o acordo ortográfico e que nada mudará”.
Christian Sales, brasileiro e um grande defensor da língua galega, para nos prestigiar desta lusofonia simplificada, colocará seus pontos de vista destes idiomas tão semelhante, abrangendo três localidades, onde o português ou galego português, são as chaves das nossas falas Christian coordena vários programas de mídia alternativa (Os Contrabandistas, Quintal da Galicia entre outros…) e diversos grupos nas redes sociais, sempre em prol da nossa língua.
Cada vez mais envolvido com o galego, debruça muito sobre este tema e seus conhecimentos não param por aqui… Já conheceu vários pontos geográficos e culturais da Galiza, numa visita que recentemente fez ao Noroeste Peninsular. Quer retornar em breve, para dar continuidade e desenvolver seus conhecimentos e encontrar mais pessoas ligadas ao assunto em comum, para além das amizades já existentes.
Lusofonia, quanto ao Brasil, Portugal e Galiza, houve alguma evolução linguística entre estes países?
É um conceito muito controverso. “Lusofonia”. Antes de responder, debruçamos sobre o tema. Onde surgiu a nossa língua? Os portugueses vão dizer com toda convicção que foi em Portugal. Os galegos estão divididos e talvez foram propositadamente confundidos.
Teria surgido o “português” na Galiza? Ou foi nos espaços dum reino galaico com vários domínios?
Ora, o Condado Portucalense era parte da Galiza. Deixou de ser, mas era. Neste momento já se falava o galego arcaico, o latim modificado, falado em todos aqueles espaços, e posso incluir Astúrias e Leão. Novamente, vão muitos dizer, a língua antiga era o “galego-português”, mas soa tão anacrônico, Portugal ainda não existia.
O que falava Dom Dinis era o mesmo que o seu avô Afonso IX (X na historiografia espanholeira). E portanto, todas as gentes falavam assim.. O grego antigo é bem diferente do grego moderno, mas é grego. Não é?
E a nossa língua, também era diferente, mas não deixou de ser ou de existir, apenas enriqueceu-se, adaptou-se, assimilou, incorporou, e é viva, não é estática.. Continuo… o que falamos então? Estamos falando de espaços linguísticos-culturais ou meramente geográficos?
Sabemos sem qualquer dificuldade os marcos da Lusitânia e da Galaécia. Mas não se trata de geografia, mas da língua. A nossa língua comum transformou-se nos espaços da Galaécia (volto aqui a incluir o Condado Portucalense, já em tempos dos reis do alto medievo galaico). Espaços estes já conhecidos dos Reinos Árabes do centro-sul da Hispânia como Yilliqiya ou Galisiya (muito fácil de ser confundido com “Leão”!!!).
“O que falava Dom Dinis era o mesmo que o seu avô Afonso IX”
Qual léxico dos povos lusitanos que existem hoje na nossa língua comum?
Galaicofonia. O que falamos é galego. Mas sinto-me na obrigação de citar o grande lexicógrafo e filólogo argentino-galego Higino Martins Esteves (tão esquecido pelos junteiros), que disse-me uma vez, “palavra mágica”, ao referir-se o “português da Galiza”.
Diplomaticamente vamos usar o termo português, e aqui todos os méritos são para Portugal, que tornou a língua oficial, codificou-a, catalogou, classificou, padronizou, gramaticizou, promoveu, difundiu. Logo, é mais que evidente que aquela linguagem prestigiada como algo identitário ganharia um título relacionado ao nome do país. Mesmo que a historiografia negue, Portugal é a nova Galiza liberta de Castela.
Os oficialistas dos nacionalismos batizaram-na de Lusofonia, e dificilmente mudarão de ideia. Dom Dinis não inventou uma língua (por Decreto), apenas oficializou algo que uns cem anos depois seria chamado de “português”. Assim como o Decreto Filgueira Valverde não inventou uma escrita, apenas oficializou algo que era da vontade do ILG (Instituto da Língua Galega), mas isso é outro conto.
Foi justamente nos anos 70 que o termo “luso” (lusista) foi usado de forma depreciativa, para desacreditar numa escrita histórica e etimológica, por uma escrita dialectológica. Tudo muito bem acordado, já que os principais cargos políticos próximos a Junta eram da turma do Ramão Pinheiro, Filgueira Valverde, Fernandes Albor, Garcia Sabell e do Constantino Garcia, este último que nem sabia falar galego.
Agora vamos à segunda parte, a evolução?
Já sabemos agora que a língua é viva. Que o inglês australiano não é o mesmo do texano ou jamaicano ou irlandês. A língua ganha contornos, mas não deixou de ser a mesma língua. O Castelhano é andaluz, mexicano, colombiano, argentino etc.
O assunto da evolução aqui é uma armadilha dos legalistas da separação, que gostam de justificar que era igual e agora não é mais. Pura conversa ideológica, dialectológica e centralista (de Madrid, como sabemos). Aliás, perdem muito tempo com assuntos dialetológicos como cortina de fumaça.
Em Ourense falam assim, na Costa da Morte falam assado. Isso não leva o tema da língua ao próximo passo, que é a comunicação que não se produz com Angola, Moçambique, Brasil e Portugal. Ninguém aqui perde o seu tempo com debates exaustivos de que no Rio Grande do Sul fala-se assim e em Pernambuco fala-se assado. Falamos com sotaques diferentes e nada mais. Não perdemos tempo com isso.
Aliás, a formação das Irmandades da Fala e da própria RAG (Real Academia Galega) tinha um pensamento bem diferente dos que hoje são subvencionados pela Junta. E esse pensamento permeou o Nacionalismo Galego até a sua interrupção da Longa Noite de Pedra que durou quarenta anos. Deste meio tempo, os que ficaram, moldaram-se ao sistema. Os que eram contra, vocês já sabem melhor que todos nós de fora, passeios, valas, exílios ou ostracismo profissional.
Também é bem claro que o posicionamento a respeito da ortografia foi interrompido politicamente por obtusos acordos desde os anos 70 do século passado. Que vergonha disso! Reitero que não há resposta padronizada e autoexplicativa como querem vender os roteiristas da CRTVG para justificar que o galego é outra língua.
Sendo o português do Brasil, a língua mais falada na lusofonia, como considera que quanto a Portugal, ainda há certas diferenças dentro do mesmo português, sendo que alguns portugueses sáo contra o acordo ortográfico? Já há alguns anos, Portugal tem vindo a ser descoberto pelos brasileiros, onde as novelas, músicas e falas, tem vindo a se destacar cada vez mais por todo país, como visa este acontecimento linguistico ?
Como eu disse, há diferenças por toda parte. E as diferenças são mínimas. Mas eu já conheço a estratégia de isolamento. Ah, os brasileiros usam próclises, os portugueses ênclises. Não “me” venham com estes argumentos, por favor. Só funciona para os dialectólogos.
Essa diversidade torna a beleza da nossa língua comum. Não adianta ser simplesmente contra o Acordo Ortográfico. É preciso que o assunto volte ao centro do debate político que propôs no passado. Aliás, uma comissão de observadores galegos estiveram presentes nos debates do acordo. Mas uma coisa é certa, seguimos o padrão ortográfico do ibero romance ocidental. Como o sem acordo nos entendemos, porque seguimos um código auto afirmado desde os tempos medievais, e não desorbitados para o padrão castelhano.
Quanto às migrações de brasileiros a Portugal, quanto mais brasileiros, mais cosmopolita o país ficará. Desafio a andarem por Londres e acharem um único padrão de “inglês” nas ruas. Somos monolíngues por natureza, e não usamos o recurso do inglês para a autopromoção musical.
Portugal por sua vez promove a entrada da livre mão de obra, será que não imaginaram as consequências a longo e médio prazo? É tão óbvio que alguma transformação resultaria. O que eles pensavam, que os brasileiros viveriam em guetos? O que existe na verdade é o incômodo e o preconceito linguístico. O Brasileiro fala português e pode viver 50 anos em Portugal, mas ele sempre será o “outro”.
Galiza, muitas partes desta comunidade autónoma, não falam a língua galega e muitos até valorizam esta ocorrencia, concordando plenamente com este fato. Como coloca esta situação?
A situação não vem de hoje, é secular. Uma excelente referência é o livro do Carlos Callón, O Livro Negro da Língua Galega. O resto, são os caminhos que vão desde a subordinação político-administrativa, a substituição dos agentes de comunicação que eram as instituições eclesiásticas, o banimento da escrita, a imposição de outro país, Castela, nas metodologias educacionais, no fomento da ridicularização das falas galegas. Não são movimentos retilíneos ou cronológicos, são fatores e variáveis que aconteceram por todos os lados. Mas o mais interessante na era pós-franquista é a manutenção do status quo pró castelhano, seja pelo imprensa, rádios, tvs, seja pelos mecanismos de contenção de um ressurgimento do galego, como é o caso do Decreto Filgueira Valverde e mais recentemente, no plurilinguismo, o segundo desastre para a língua dos últimos 40 anos. Já estamos colhendo os frutos amargos., mas os galegos gostam disto. O PP não sai de moda.
“A CPLP é um clube de negócios. Galiza não tem petróleo, só tem eólicos. Não levo a sério isso”
CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), como você considera esta comunidade, do ponto de vista dos países aderentes, que nem todos utilizam a língua portuguesa na prática?
A CPLP é um clube de negócios. Galiza não tem petróleo, só tem eólicos. Não levo a sério isso. Nem mesmo agora que o Estado Espanhol também tornou-se observador. Aquela comunidade sabe o que o Estado Espanhol fez com o português de Olivença, com as Falas do Xálima ou com o desprestígio da nossa variante na Galiza? Na Estremadura há mais ofertas de professores de português do que na Galiza.
Neste sentido, quanto a Espanha?
Galiza não é Espanha, assim como Escócia não é Inglaterra.
Entrevista de Nilce Costa