Galiza: Pátria espiritual de José Afonso

Artigo de Paulo Esperança

Aldea Global | “Algúns bares poñen o Grândola cando queren pechar pero raras veces o conseguen: porque o Grândola non é unha canción de pechar senón de abrir”. Maria do Cebreiro, Poeta, Ensaísta e Professora de Teoria de Literatura, Universidade de Santiago de Compostela|http://aja.gal/ |.

Apesar da curiosidade intelectual que José Afonso dava a tudo o que não conhecia será de considerar que a Galiza lhe chegou tarde, e casualmente. Tinha quarenta e três anos.

1952 (?)
É inquestionável que o momento fulcral da entrada de José Afonso na Galiza teve Benedicto Garcia Villar como protagonista. Mas não poderemos descurar a possibilidade de José Afonso, provavelmente com o Orfeão ou com a Tuna Académica, ter actuado na Galiza, ainda numa fase inicial em que caminhava pelo fado de Coimbra. Em 1994, o Sindicato dos Professores do Norte publicou um caderno intitulado “(Re)Viver Abril com Zeca Afonso, Para uma Didáctica de Unidade”.

Nele consta que José Afonso, em 1952, vai à Galiza pela primeira vez como membro da Tuna de Coimbra |tendo actuações| em Vigo, Santiago de Compostela e na Corunha. Numa breve cronologia, José Jorge Letria, na obra “Zeca Afonso, O que Faz Falta”, confirma essa ida de José Afonso com a Tuna à Galiza no ano de 1952. O historiador galego Ramón González Rey, em artigo publicado na edição de 12 de Fevereiro de 2017 do jornal “El Progresso de Lugo”, escreve também que su primera estancia |Galiza| fue en 1952, con la tuna.

No entanto há quem sustente que terá sido em 1953 que a Tuna actuou em várias cidades galegas, não se sabendo se José Afonso terá integrado essa digressão uma vez que a sua inscrição, na Tuna, data de 1955.

1964
Maria Xosé Queizan, resistente anti-franquista, escritora e professora catedrática de língua e literatura galega, releva, no seu livro de memórias “Vivir a Galope”, ter conhecido José Afonso no Verão de 1964, num concerto do Parque de Castrelos, em Vigo. Seria com a Tuna ou com o Orfeão de Coimbra? Tudo leva a crer que não. Em conversa de amigos com Xico de Carinho, Maria Xosé Queizan refere: ía com algúm músico e atuavam com vestido normal – não de capa e batina.

1971
Antes de Benedicto, terá havido, de forma organizada, pelo menos uma tentativa para que José Afonso fosse à Galiza. Ourense traz-nos muitas memórias acompanhadas de algumas informações que valerá a pena esclarecer, sendo que a dúvida poderá persistir. Teño no meu poder o CD que contén toda a documentación, xa que dos orixinais fixen doazón ó Consello de Cultura Galega.

Reviseina e atopeime con datos que tiña por esquecidos. Entre outras actividades, programouse para o ano 1971, un “Festival Ibérico” ó que se invitou a varios cantautores de Portugal: Vieira da Silva, Adriano Correia, Rita Olivais, Ana María Teodosio, José Afonso, Denis Cintra, José Jorge Letria e Manuel Freire. De Galicia participarían Xerardo Moscoso, |Suso| Baamonde, Benedicto, Bibiano, Miro |Casabella| e Los Juglares. Por Castela: Paco Ibáñez, e por Cataluña, Pi de la Serra. Pero as portas pecháronse e o Pavillón dos Remedios tampouco foi cedido, informa-nos Gonzalo Iglesias Sueiro, à altura Presidente da Associação Cultural Breogán, entidade que tentou organizar este evento, em artigo publicado a 26 de Abril de 2014 no jornal ”La Region de Ourense”.

No ano de 1968, um conjunto, mais ou menos formal, de poetas e cantautores galegos formaram o colectivo “Voces Ceibes”, que acabou em finais de1974. Anunciava a Nova Canção Galega. Benedicto Garcia Villar, Xavier del Valle, Xerardo Moscoso, Vicente Aráguas, Guilherme Rojo, Miro Casabella, Bibiano, Xaime Barreiro e Suso Vaamonde deram conta desse desafio ao regime franquista. E a vida, sempre tem destas coisas! Um dia, por acaso |?|, Benedicto foi convidado para ouvir um disco em casa de um seu amigo. Queria que escoitasse un elepé, dum “tipo estraño”, um cantor português, porque seguro me ía gustar. Aquela audición foi coma se me rebentasen a cabeza. Era tan magnética aquela sua voz que á primeira oportunidade que me presentou fun na súa busca. Era o álbum “Traz Outro Amigo Também”, 1970. A cumplicidade entre ambos foi de tal modo intensa que o álbum “Eu Vou ser como a Toupeira”, 1972, gravado em Madrid no mês de Novembro, contou já com a participação de Benedicto, entre outros músicos galegos.

Dos tempos vindouros a história viria a confirmar essa ligação de sangue de José Afonso com a Galiza, José Afonso vivia fóra do seu tempo, disse Vicente Aráguas, fundador de “Voces Ceibes”: O seu reino era outro. O seu voo de falcón, de alcotán, de águia non tomou vantaxe da prerrogativa que puido apañar nun processo político en marcha ao que a sua arte servira de espora. “Crónicas -Voces Ceibes”, 1991.

Por intermédio de Benedicto e seus amigos, numa organização da Asociación Cultural Breogán, Ourense terá sido a primeira |?| cidade a acolhê-lo, numa jornada iniciada a 8 de Maio de 1972. Conta-nos Arturo Reguera, amigo de Benedicto e um dos mentores desta xira de José Afonso: O 8 de maio do ano de 72, ás 12 da mañá, estabamos Benedicto, Maite e eu agardando na Librería Tanco de Ourense, aquela librería que a hospitalidade cultural e política do seu dono Carlos Vázquez convertía numa casa de acollida para as boas causas. Eu estaba nunha impaciente espera, pois Benedicto e Maite xa estiveran na súa casa, em Setúbal, pero eu non os coñecía persoalmente.

No dia seguinte aconteceu a sessão em Lugo.

Em 10 de Maio de 1972, no comedor da Faculdade de Ciências Económicas de Compostela situada no antigo Burgo da Naçons, José Afonso entrava em palco com Benedicto para um concerto que reuniu cerca de três mil pessoas. A terminar, “Grândola Vila Morena” foi cantada em público. Cantou o Zeca e, ao final do recital, cando crin que xa estaba todo acabado, agarroume ao xeito alentejano e empezou a marcar o son cos pés, tamén ao modo todo alentejano. A xente púxose en pé, tiña a letra da canción, a melodía era mui fácil, e a emoción moita.

Sem que se pretenda levantar qualquer tipo de polémica, caberá aqui fazer referência ao facto de “Grândola”, talvez não ter sido cantada, pela primeira vez, em público, em Compostela. Xico de Carinho dá-nos informação: de certo que o Grándola foi cantado pela 1ª vez em Santiago de Compostela, no ano de 1972 mas não pela 1ª vez en público.

Pelo que sei, na España, sería em Valencia, no ano de 1970, no Festival dos Pobos Ibéricos, porque, segúndo Miro Casabella, que também estaba lá, o Zeca acrecentóu, que íria cantar o Grándola, que depois ía gravar a Paris e lhe servía como preparação. Miro Casabella acrescenta: certamente acredito no que di o noso amigo Xico, a primeira vez que e cantado o Grandola foi en Valencia (España) niste ano que él di 1970? no Teatro Principal donde participaban outros cantores, Paco Ibañez, Xavier Ribalta, Maria del Mar Bonet, Miro Casabella, Adolfo Celdran e Poni Micharvegas, certo é que logo él ia para Paris para gravar o disco “Cantigas do Maio” onde incluia Grandola. Logo e en Compostela no ano 1972 que canta no Burgo das Nacions o Grandola, e eu tamen estiven por lá. E acrescenta: sen dubida o ano 1971 | e não 1970|no que foi cantado en pubrico o Grandola en Valencia, no seu teatro principal. De salientar que no concerto de Ourense de 8 de Maio de 1972 a “Grândola Vila Morena” constava do respectivo alinhamento não se sabendo se José Afonso a interpretou, ou não.

É inquestionável que Benedicto Garcia Villar foi a chave-mestra para a entrada de José Afonso no imaginário galego. Naturalmente que o “Grupo de Económicas”, da Universidade de Compostela, que funcionava de forma militante, mas informal, e do qual faziam parte Arturo Reguera e Emilio Perez Touriño, entre outros, também deve merecer atenção especial. Mas essa entrada com Benedicto e com o “Grupo de Económicas” foi contando com a participação de mais actores que, ao longo dos tempos, foram sendo, sucessivamente, seduzidos pela obra de José Afonso.

Francisco Peña Villar, Xico de Carinho, chegou a Paris em Setembro de 1970. Estudava Etnomusicologia na Escola Prática de Altos Estudos da Sorbonne e acompanhava musicalmente o cantor brasileiro Geraldo Vandré, à altura exilado em França. Pouco depois assisti ao Festival da Chanson Portugaise de Combat na Maison de la Mutualité, que teve lugar em Paris em |10 de| Novembro de 1970. Fui saudá-lo e perguntei-lhe se me poderia dar informações sobre a música portuguesa, popular e de intervenção, porque eu estava muito interessado em conhecer de mais perto. O Zeca disse-me que não era o mais indicado, porque não tinha estudos musicais e também porque não morava em Paris. Apresentou-me ao Luís Cília, dizendo que era ele que me poderia dar as informações de que necessitava.

José Afonso assumiu, de forma militante, que as duas margens do Minho não poderiam constituir um factor de separação entre os dois povos irmãos. Para ele, as duas margens, contribuíam, e muito, para ajudar o desenvolvimento de uma cultura e amizade, comuns. Foi, de facto, um profícuo adivinhador da rede da galilusofonia.

Há unha grande confuson em Portugal sobre a Galiza: estou farto de explicar por todos os lugares que Galiza nom é Espanha, que é um país diferente, com unha cultura própria dizia José Afonso numa entrevista ao jornalista Xan Carballa, publicada em 25 de Abril de 1985 no semanário “A Nosa Terra”.

“A Galiza era para José Afonso uma espécie de pátria espiritual irmã da nossa”

A Galiza era para José Afonso uma espécie de pátria espiritual irmã da nossa. Infelizmente há quem pense que os galegos são muito diferentes de nós e que falam uma língua chamada castelhano – outros dizem que falam uma língua chamada espanhol. O que é certo é que na chamada Espanha, existem, como toda a gente sabe, vários países, várias regiões com uma personalidade própria, com uma cultura própria, dizia num concerto, em Carreço, Viana do Castelo, a 23 de Fevereiro de 1980.

É certo que José Afonso, na vida que viveu, acabou por sofrer muitas influências que viriam a moldar a sua música e a sua palavra. A Galiza foi, sem dúvida, uma inspiração que sempre o acompanhou. Esse seu fascínio por ela sempre foi e continua a ser fraternalmente retribuído.

José Afonso foi quem foi, artista, poeta, cantor, andarilho, militante e cidadão, não porque o destino lhe tenha sido traçado mas sim porque soube olhar, ouvir, ler, recolher, absorver, no fundo recriar e criar, todos os caldos de cultura, todas as experiências que lhe iam aparecendo pela frente. José Afonso nunca teria sido quem foi se tivesse andado sozinho pela vida. A permanente inquietação foi a bússola que o colocou, definitivamente, nesse lugar intemporal de génio,

O Zeca Afonso nom é umha peça de museu, o Zeca é umha introduçom à poesia, à música, aos valores de solidariedade, amizade, justiça e rebeldia e também ao divertimento. O Zeca nom é para estar numha prateleira ou escuitar só cada 25 de abril, o Zeca é companheiro e recurso para ter presente, à mao.

“Zeca para Crianças”, Bruno Vilela, 2018. Edição da Escola de Ensino Galego Semente.

Presentación do libro “José Afonso. O triángulo máxico da súa vida e obra”
Há um triângulo mágico no imaginário, na vida e na obra de José Afonso que o influenciou, levando-o a uma leitura atenta do mundo em que vivia, e no que teria de vir a viver. Para ele o tempo, nunca esteve parado e tudo contribuiu para que pudesse agarrar o futuro, mesmo antes de ele acontecer. África, Portugal e Galiza são os vértices desse triângulo. Com um pequeno erro geométrico: um quarto vértice – Astúrias.

Com organização da Associação José Afonso – Galiza realiza-se no dia 15 de
Dezembro, 6ª Feira, pelas 19h 30m, na Casa do Taberneiro – Rua Sam Pedro, nº 15, Compostela – a apresentação do livro “José Afonso-O Triângulo Mágico na sua vida e obra – África, Portugal, Galiza” a cargo de Iria Méndez e do autor com participação do actor Gil Filipe. A música será com O´Leo de Matamá.

No dia seguinte, 16 de Dezembro, com organização de Xico de Carinho haverá uma outra sessão no Centro Cultural Evame Oroza – Subida á Costa, 5, Vigo – com apresentação do jornalista de “A Nosa Terra” Xan Carballa que acompanhou durante anos a vida e obra de José Afonso. O autor e o actor Gil Filipe falarão do livro.

A música será de Xan López (ex-Treixadura) com Xico de Carinho, e Su Garrido.

Pelas 18 h do mesmo dia, no Salão de Plenos da Câmara Municipal de Cangas do Morrazo, Passeo de Catelao, 2, decorrerá nova apresentação, a cargo de Henrique Harguindey, ex- Concelheiro de Cultura que acompanhou e alojou José Afonso em sua casa, no ano de 1979. Gil Filipe e o autor, Paulo Esperança.