A revolução de 1974 já ia no alto quando uma das suas protagonistas entra na história. Fá-lo sem saber e sem nunca o ter imaginado quando naquele dia 25 de abril de manhã se dirigiu para o trabalho, um restaurante na rua Braancamp, junto ao Marquês de Pombal.
Celeste Martins Caeiro, a mais nova de três irmãos de mãe galega, tinha 40 anos e era empregada de mesa no Franjinhas, que celebrava o seu primeiro aniversário de funcionamento, um local inovador para o seu tempo com serviço de self-service.
A lisboeta não chegou a entrar ao serviço. O patrão falou-lhe numa revolução e mandou todos os empregados para casa. Antes disso disse que quem quisesse podia levar os molhos de flores que tinham sido comprados no mercado da Ribeira para oferecer como um miminho às clientes desse dia. Eram cravos.
Ainda sem saber que iria registar o seu nome nos livros de história, Celeste meteu-se no metro e desceu no Rossio, caminhando até ao Chiado, onde morava num 5.º andar em frente aos Armazéns do Chiado, para ver com os seus olhos o que estava a acontecer. Chegada à rua do Carmo cruzou-se com um grupo de soldados em cima de tanque.
Curiosa, perguntou-lhes se estavam ali há muito tempo. “Desde as 3 da manhã”, respondeu um militar, que lhe pediu “um cigarrinho”. “Não tinha e tive pena, olhei para todos os lados a ver se havia alguma coisa aberta para lhes arranjar qualquer coisa para comerem mas não havia nada. Então tirei um cravo e dei-lhe, era a única coisa que tinha. Era vermelho, mas também tinha brancos. Aceitou, podia não ter aceitado. Pôs no cano da espingarda e achei bonito. Depois tirei outro e dei a outro soldado, que também pôs no cano. As pessoas julgam que fui eu que pus os cravos nas espingardas, mas não, eles estavam muito alto”, recorda Celeste, que no próximo dia 2 de maio fará 87 anos.
Ao verem alguns soldados já com as armas “enfeitadas” de cravos, as habituais vendedoras de flores do Rossio trataram de multiplicar o gesto de Celeste, dando força ao movimento que não derramou sangue na sua operação (os 4 mortos da civis da revolução foram atingidos por balas da DGS).
Apelidada de Celeste dos Cravos, com aquele gesto inocente e belo acabou por dar o nome à revolução que acabou com a ditadura em Portugal.
Mas isso não lhe trouxe fortuna ou sequer convites para estar presente em comemorações oficiais do 25 de Abril. A sua vida acabaria por ser marcada pela tragédia do incêndio do Chiado, em agosto de 1988. O seu quarto alugado ao pé dos Armazéns do Chiado foi engolido pelas chamas que paralisaram a capital do país. Teve pouco tempo para salvar os seus pertences. Celeste confessa mesmo que “perdeu tudo”, mas o que lamenta mais “são as fotografias” de toda uma vida.
Com uma reforma miserável que não chega aos 400 euros, Celeste vive numa rua paralela à avenida da Liberdade, a maior conquista da revolução à qual deu o nome.