Alto Minho/Minho Digital | A propósito do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, que se celebrou a 17 de outubro último, a Pordata, a base de dados estatísticos da Fundação Francisco Manuel dos Santos, divulga um conjunto de dados que formam um retrato do nível de pobreza da população portuguesa, centrando-se em temas que influenciam, de forma significativa, a vida quotidiana e financeira dos portugueses, como a inflação, o preço dos bens essenciais ou a crise na habitação.
Tenta-se, desta forma, responder a questões como: Quanto ganham os portugueses? Onde é gasto esse rendimento? Quantos se encontram em risco de pobreza? Qual o impacto da inflação no poder de compra das famílias? E quanto têm aumentado os preços das casas e das rendas?
Através deste retrato é possível perceber, por exemplo, que o preço das casas aumentou 90% em relação a 2015, quando os salários aumentaram 20%, estando Portugal entre os 4 países da UE com maior aumento dos preços das casas. Além disso, em 2022, quase um terço dos inquilinos (29,4%) estava em situação de sobrecarga financeira com as despesas com a habitação. Verifica-se igualmente que 18,5% das crianças e jovens em Portugal vivem em situação de pobreza; que mais de um terço das famílias ganhavam, em 2021, no máximo, 833€ brutos mensais; que o salário mínimo atual, de 760€, vê na prática o poder de compra baixar para 678€; ou que aumentou o número de pessoas sem capacidade financeira para assegurar uma refeição de carne, peixe ou equivalente vegetariano de 2 em 2 dias (de 2,4% para 3%), entre outros indicadores.
O que refletem os indicadores da pobreza?
De acordo com o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR), em 2021, segundo ano de pandemia, 1,7 milhões de pessoas em Portugal encontravam-se em risco de pobreza, ou seja, viviam com rendimentos inferiores a 551 euros mensais. Ainda assim, a taxa de risco de pobreza após transferências sociais desceu 2 pontos percentuais face ao ano anterior (de 18,4% para 16,4%). Foi entre os mais velhos (65 ou mais anos) e o grupo das crianças e jovens (menos de 18 anos) que a taxa de risco de pobreza mais diminuiu (-3,1 p.p. e -1,9 p.p.). Contudo, são estes os grupos etários que evidenciam maior vulnerabilidade, já que apresentam taxas de risco de pobreza superiores ao conjunto nacional (17%, entre as pessoas com 65 ou mais anos, e 18,5% entre as crianças e jovens).
De um modo geral, em 2021 o risco de pobreza diminuiu, independentemente dos diferentes grupos etários, condições perante o trabalho e composição das famílias. Registou-se, contudo, um aumento em 1 p.p. do risco de pobreza entre as famílias compostas por dois adultos e duas crianças (de 11,8% para 12,8%).
30% das famílias não conseguem fazer a despensas inesperadas
Alguns resultados dos indicadores sobre privação material e social do ICOR, referentes ao primeiro semestre de 2022, quando se começava a sentir o efeito da subida da inflação, podem já indiciar a maior dificuldade das famílias perante o aumento dos preços.
A proporção de população que afirmou ser incapaz de aquecer convenientemente a casa aumentou de 16,4% para 17,5%, entre 2021 e 2022: Portugal foi o 4.º país da União Europeia, ao lado da Lituânia, com maior proporção de pessoas a expressar esta incapacidade. Também subiu ligeiramente a proporção da população sem capacidade financeira para assegurar uma refeição de carne, peixe ou equivalente vegetariano de 2 em 2 dias (de 2,4% para 3%) e de pessoas sem capacidade para pagar uma semana de férias por ano, fora de casa (de 36,7% para 37,2%). No início de 2022, 29,9% das pessoas não tinham capacidade para assegurar o pagamento de despesas inesperadas e 6,1% afirmaram ter atrasos em algum dos pagamentos relativos a rendas, prestações ou créditos.
Quanto ganham os portugueses?
Em 2021, de acordo com as declarações do IRS entregues todos os anos pelos agregados fiscais, mais de um terço dos agregados (36%) viviam, no máximo, com 833€ brutos mensais. Se acrescentarmos o escalão de rendimento imediatamente a seguir, conclui-se que mais de metade das declarações (53%) correspondiam a rendimentos até aos 1.125€ brutos mensais.
De salientar ainda que 688 mil agregados fiscais se encontravam no escalão mínimo de IRS (até 5.000€ anuais, equivalente a 417€ mensais), apesar da descida de 6,5% face ao ano anterior (-48 mil agregados fiscais).
Em termos de distribuição dos rendimentos declarados, os 20% dos agregados fiscais mais ricos ganharam 3,5 vezes mais que os 20% dos agregados mais pobres. Em concelhos como Lisboa, Porto, Oeiras e Cascais, a diferença é de 5 vezes mais.
Dados do ICOR revelam que, em 2021, Portugal foi o 4º país da UE27, a seguir à Bulgária, Lituânia e Letónia, com maior peso (40,5%) do rendimento disponível atribuído aos 20% da população mais rica. Em países como a Eslováquia, Eslovénia e a Bélgica, o valor fica abaixo dos 35%. Já aos 20% mais pobres, é atribuído 7,9% do total do rendimento disponível (vs. a média europeia de 8,2%).
Como evoluiu a inflação e o poder de compra dos portugueses?
A partir de fevereiro de 2022, com a guerra na Ucrânia, assiste-se ao aumento dos preços dos bens e serviços. É preciso recuar 30 anos para encontrar uma taxa de inflação superior à de 2022 (7,8% vs. 9,6% em 1992). Desde que há registo, o pico da inflação ocorreu em 1984 (28,5%) e, desde meados de 1995, a inflação foi sempre inferior a 4,5%. Nos anos mais recentes, temos de recuar a 2017 para encontrarmos uma subida nos preços superior a 1,3%.
Para comparar a evolução, nos últimos anos, entre a taxa de inflação e a taxa de variação do salário mínimo nacional (SMN), há que salientar que, por norma, as atualizações salariais para o ano seguinte têm em conta a inflação do ano em que decorrem as negociações, embora os salários acabem por ser impactados pela evolução dos preços que vier a acontecer no ano seguinte. Assim, em 2018, a taxa de inflação foi de 1%, em 2019 e 2020 de 0,3% e 0%, subindo novamente em 2021 (1,3%) e atingindo os 7,8% em 2022. Ao longo deste período, regista-se a recuperação do poder de compra do SMN, cujo agravamento da inflação em 2022 veio abrandar.
Já as taxas de variação das pensões mínimas de velhice e invalidez revelam uma evolução mais tímida, sendo visível a discrepância face à inflação em 2022.
Em setembro de 2023, os produtos do cabaz de compra representativos das despesas das famílias, estiveram, em média, 12,2% mais caros do que no início de 2022. Atualmente, com um salário de 1.000€, conseguimos comprar apenas as mesmas coisas que, no início de 2022, comprávamos com 892€, havendo, assim, uma perda de poder de compra de 108€. O salário mínimo, fixado em 760€, vê reduzir o seu poder de compra para 678€ e as pensões mínimas para 260€.
Que produtos registaram maior inflação?
Em 2022, a categoria de bens com maior aumento dos preços foi a dos produtos alimentares e bebidas não alcoólicas (com uma taxa de inflação de 13%). Dentro desta categoria, destacam-se as subidas dos preços dos óleos e gorduras (32,5%) e da carne (15,5%).
Também a categoria da habitação, água, eletricidade e gás registou uma subida de preços na ordem dos 12,8%, estando aqui em causa o aumento, em particular, dos combustíveis líquidos (para aquecimento) (42,3%), do gás (39,2%) e da eletricidade (22,2%).
Em terceiro lugar, com uma taxa de inflação de 11,7%, estão os restaurantes e hotéis, sendo de sublinhar a subida em 30,5% dos serviços de alojamento.
Os transportes são a quarta categoria com maior taxa de inflação (10%), onde sobressai o aumento dos transportes aéreos de passageiros (29%) e dos combustíveis e lubrificantes para equipamento para transporte pessoal (20,7%).
Por fim, os acessórios para a casa e os equipamentos domésticos tiveram igualmente uma subida de preços superior à referência nacional, sendo de destacar o aumento no mobiliário e acessórios para a casa (15,5%).
Em 2022, a taxa de inflação em Portugal foi inferior à média da União Europeia. Ainda assim, Portugal superou a taxa de inflação europeia em algumas categorias de bens e serviços: produtos alimentares e bebidas não alcoólicas, restaurantes e hotéis, acessórios para a casa e comunicações.
Comparativamente aos países da UE27, Portugal foi o 8º. país com maior aumento dos preços nas comunicações, o 10º. no que toca aos restaurantes e hotéis e o 11º. nos produtos alimentares. Os países do Báltico foram os mais atingidos pelo aumento da inflação, com uma taxa superior a 17%. Apenas Malta e França tiveram uma inflação abaixo dos 7%.
Como gastam os portugueses o seu dinheiro?
Em 2021, mais de metade dos gastos das famílias foi em bens essenciais como a alimentação (21%), habitação (19%) e transportes (14%). Apesar de 2021 ser ainda um ano afetado pela pandemia, a realidade é que, ao longo do tempo, o tipo de consumo das famílias mantém-se relativamente estável: cerca de 1/5 dos gastos são relacionados com a alimentação.
A habitação atingiu, nos anos de pandemia, o maior peso de sempre, representando cerca de 1/5 dos gastos. Os transportes e as comunicações, apesar da redução devido aos períodos de confinamento, ocuparam o 3.º lugar nos bens que mais pesam no orçamento das famílias.
Ainda a ressalvar os gastos em restaurantes e hotéis que também viram baixar o seu peso para 11%, depois de dois anos em que representaram 14% das despesas. De destacar ainda o recorde atingido com o peso das despesas em saúde, em 2021.
O aumento dos preços da habitação
Um dos temas mais discutidos na atualidade prende-se com a subida dos preços das casas. Em 2022, Portugal viu aumentar o preço de compra das casas, comparativamente a 2015, em 90%, valor acima do registado a nível da União Europeia, de 48%. Desde 2019 que Portugal está entre os quatro países da UE com maior aumento dos preços das casas, acompanhado pela Hungria, Chéquia, Lituânia e Luxemburgo. Confrontando o aumento das casas com a variação dos salários médios, verificamos que, face a 2015, os salários em Portugal aumentaram 20%, muito aquém do aumento de 90% das casas.
Os dados do INE, do índice dos preços de compra de casa revelam que no 1º trimestre de 2023, os preços já tinham aumentado 99% e no segundo trimestre aumentaram 105%, ou seja, mais do dobro dos preços registados em 2015. Já no que concerne aos preços das rendas, o aumento face a 2015 foi de 15,8%, quando na UE27 esse valor se fixou nos 10%. Portugal foi o 12.º país a registar maior subida.
Em 2022, quase um terço dos inquilinos (29,4%) estava em situação de sobrecarga financeira com as despesas com a habitação, ou seja, pelo menos 40% do seu rendimento destinava-se a suportar os custos da renda da casa. Só entre 2012 e 2016 é que a sobrecarga afetou mais de 30% do total de inquilinos, chegando mesmo aos 36% em 2012. Na UE27, a sobrecarga financeira com a habitação atinge um quinto dos inquilinos (21%) e, desde que há registos, nunca ultrapassou os 27,1%.