Luis Gonçales Blasco | A importância de Carvalho Calero como historiador e crítico da nossa literatura, assim como o papel jogado no processo normalizador da nossa língua, tem obscurecido um tanto outros aspetos da sua biografia. Não há muita gente a saber que em 1931 redigira conjuntamente com Lois Tobio o anteprojeto do estatuto de autonomia do Seminário de Estudos Galegos editado a 6 de maio com o estudo económico elaborado por Bóveda. O primeiro artigo dizia: A Galiza é un Estado libre drento da Repúbrica Federal Española, este projeto não pode ter continuação ao se discutir a constituição da república e não sair adiante a proposta de república federal. Em 14 de junho aparece o manifesto A ezquerda galeguista fálalle ó país assinada por um monte de gente entre os que figura Carvalho que participa em dezembro na fundação do PG de cuja direção sempre formou parte.
A sublevação militar-fascista surpreende Carvalho em Madrid, onde fora para participar como compromissário na eleição do presidente da República; alista-se como miliciano no batalhão Félix Bárzana da FETE-UGT e participa na defensa da cidade, sendo ferido num olho. Pouco depois, o exército republicano chamou os combatentes com estudos para que fizessem cursos de oficiais na escola valenciana de Paterna, em Valéncia Carvalho recupera o contato com Castelao e outros galeguistas, ao rematar o curso dá-se-lhe o grau de “tenente em campanha” e foi destinado ao corpo de exército de Andaluzia nomeadamente a Jaén onde estará até o fim da guerra. Quando se derrumba o exército republicano é feito prisioneiro e encarcerado no antigo convento de Santa Úrsula em Jaén. Em conselho de guerra de 22 de abril de 1939, Carvalho é condenado a 12 anos e um dia de reclusão maior.
Em maio de 1941, passa a ser um penado em liberdade condicional que tem que se apresentar regularmente na prisão (de Ferrol) até a extinção da pena. A 25 de maio chega a Lugo, onde fora viver a mulher, e pode conhecer a sua filha Margarida, nascida 5 anos antes e que nunca o vira. De Lugo retornaria Carvalho ao seu Ferrol natal para procurar trabalho como docente; ainda que numas condições que devemos considerar precárias. Em palavras do próprio Carvalho:
Regresei a Ferrol e dediquei-me ao ensino privado. Ainda que dunha forma praticamente, ou mais bem teoricamente, clandestina; porque non podia estar colexiado a consecuéncia da condena que se me impuxera. Pero havia directores ou proprietários de centros que me davan traballo.
Muito desta parte da vida de Carvalho aparece romanceado no seu magnífico Scórpio que aguarda uma necessária reedição por achar-se esgotado há anos.
Acabando a década dos 40 António Fernández López, grande mecenas da cultura galega, decide criar em Lugo um colégio de novo tipo, para isso põe-se em contato com Carvalho que voltará a Lugo para criar com Fernández o colégio Fingói, nele desempenhará a função de diretor, ainda que oficialmente não o podia ser e ocupasse esse posto uma professora de Ciências. Carvalho aparecia apenas como “Conselheiro Delegado do Patronato”. Vejamos as caraterísticas de Fingói em palavras do próprio Carvalho:
Aspirava-se a centrar o ensino no meio galego, a arraigar fortemente a educaçom no ambiente do país. Rejeitava-se toda pedantaria livresca que confundisse a formaçom dos rapazes com a erudiçom infantil, despersonalizada e apátrida. Nom se tratava de educar os alunos como se fossem habitantes de calquer país, come existisse umha educaçom uniforme para calquer país. Sem pretender intoduzir novas teorias, senom aspirando somente a praticar teorias razoáveis, procurávamos, sem míngua de lhes fornecer os conhecimentos hoje necessários para calquer home civilizado, proporcionar aos alunos umha imagem imediata do mundo em que viviam, que lhes permitisse desenvolverem-se com eficaz cultura no seu próprio meio.
Mas em Fingói não limitavam a um ensino, bem diferente por certo, e as ideias de Carvalho e António Fernández iam mais longe. Assim nasce o Centro de Estudos Fingói ao que se devem importantes obras como Versos iñorados ou esquecidos de Eduardo Pondal preparado pelo próprio Carvalho, Contos populares da provincia de Lugo, coletánea de contos recolhidos por mestres de primeiro ensino da boca do seu alunado e a edição das cantigas de Pero Meogo feita por Méndez Ferrín tanto ele Bernardino Graña, que preparou a edição dos Contos, foram bolseiros em Fingói. Durante a sua estadia em Fingói elaborou Carvalho a sua monumental Historia da Literatura Galega Contemporânea, cuja primeira edição é de 1963.
Em 1965, na faculdade de Filosofia e Letras da universidade de Santiago cria-se a seção de Filologia Românica com algumas horas de língua e literatura galegas que lhe são oferecidas a Carvalho, este trabalho não lhe permitiria viver mas o mesmo ano revocam-se as interdições existentes contra os funcionários republicanos2 e convocam-se para outubro, em Madrid, as oposições que ficaram interrompidas em 1936. Carvalho foi às mesmas sacando o número 1 como professor de letras, graças a isso consegue um posto de professor adjunto no instituto Rosalia de Castro. Em 1965 começa pois a ser professor em Santiago na universidade e no instituto; cobrando o seu primeiro soldo como professor estatal.
Como professor de língua e literatura galegas, publica em 1966 a primeira edição da sua Gramática, ainda que dera aulas de galego a alguns dos seus companheiros no cárcere de Santa Úrsula, elaborando para eles uns manuscritos.