O próximo 30 de outubro de 2020 celébra-se o centenário da criação da revista Nós, nascida em Ourense pelos esforços culturais de Lousada Diéguez, Risco, Otero Pedraio, Cuevilhas, Arturo Noguerol e Castelão, entre outros. Não há muito tempo encontrei por acaso na revista Nós, quando estava à procura de outras informações relacionadas com Robindronath Tagore e Vicente Risco, que foi o seu descobridor em 1912, interessantes dados relacionados com Manuel Rodrigues Lapa, natural de Anadia-Porto, que era um grande amante da Nossa Terra.
Consultando o nº 115 da Nós, de 25 de Julho de 1933 (Dia da Galiza), para comprovar como Risco no seu artigo “Nós os inadaptados”, comentava que um dos seus autores de leitura preferida era Tagore (ademais de outros europeus), encontrei, dentro da seção também escrita por Risco, “Os homens, os feitos, as verbas”, uma importante resenha sobre um artigo de Manuel Rodrigues Lapa publicado na revista Seara Nova de Lisboa, que já em 1933 apoiava decidida e acertadamente que era muito importante o ensino da língua portuguesa nos centros de ensino galegos. No mesmo número da Nós colaboram com seus poemas Carvalho Calero, Bouça Brei e M. Luis Acunha, e com artigos muito interessantes, ademais de Risco, Otero Pedraio, Joaquim Lourenço e L. Farinha.
Sob a epígrafe de Revistas: “A política do Idioma e as Universidades”, aparece um longo comentário de Vicente Risco, que não tem desperdício, e vem muito a conto nesta altura em que estamos, pelo desgraçado descenso de uso do galego na nossa comunidade autónoma, devido à infame política lingüística desenvolvida desde os anos oitenta, sobre um artigo escrito por Manuel Rodrigues Lapa, o grande galego de Portugal, na revista Seara Nova. Como me parece enormemente interessante, deixo que falem Risco e Lapa. Escreve Risco: “A política do Idioma e as Universidades é o título de uma conferência do ilustre doutor Rodrigues Lapa, que publica Seara Nova no seu nº 341. Muitas vezes temo-nos sentido com desejo de perguntar. Que é o que faz Portugal pela valoração internacional da sua língua? Eis um problema que interessa igualmente a galegos e portugueses. Um espalhamento, erguemento e categorização, mesmo imperialismo da nossa língua, é cousa que podem fazer os portugueses que a têm como oficial, que devem contar a prol dela com todas as forças dum governo independente, de uma cultura organizada a base dela, dum mundo colonial espalhado por África, Ásia e América. É cousa que não podemos fazer nós, reduzidos a termos que defender a nossa língua adentro da nossa casa. O Dr. Rodrigues Lapa decatou-se da necessidade de fazer algo pela língua portuguesa. A seguir Risco cede a palavra a Lapa, escolhendo alguns dos treitos mais interessantes do artigo que comenta. Rodrigues Lapa diz: “…um momento houve em que o instrumento dessa cultura estava tão acreditado e tão primorosamente afinado, que por toda a Hispânia, excepção feita duma pequena faixa a nordeste, onde hoje é a Catalunha, toda a gente entendia em galego-português… Esta supremacia linguística decaiu, atropelada pelo nacionalismo castelhano, no século XV; mas já então êste pequeno povo começava a cogitar outros domínios e aventuras. E para além dos mares levou o que de melhor possuía: a sua língua… Um dia, que não virá talvez longe, o compreenderemos. Numa Espanha federada – para lá caminhamos ao que parece – o grupo galego-português com cêrca de nove milhões de falantes poderia ter uma indiscutível supremacia…”.
Vicente Risco termina o seu comentário sobre o artigo analisando as diferentes propostas feitas por Lapa e diz: “Preconiza o Dr. Rodrigues Lapa vários meios de investigação (Dicionário de português antigo, organização dos estudos de fonética, Atlas lingüístico, etc.); de defesa (elevar a cultura do povo), e de expansão, que são os que mais nos interessam arestora. Repara para isto no Brasil e na Galiza. Propõe a criação dum Centro de Estudos Portugueses na Universidade de Compostela, com cursos permanentes e pagado por Portugal; a de agregações de português nas universidades francesas, e mais de cursos de férias para estrangeiros em Sintra. Nós, que de cote se tem preocupado pela colaboração espiritual de portugueses e galegos, não pode por menos de acolher com entusiasmo as iniciativas do Dr. Rodrigues Lapa, mesmo na ideia que aponta de um Acordo Luso-Galaico para a Reforma Ortográfica, para nós tão indispensável”.
Escrito tudo isto em 1933 nas revistas Nós e Seara Nova, assombra, nada mais e nada menos que quase cem anos depois, comprovar a atualidade que têm estas palavras. E também o quanto tempo levamos perdido na Nossa Terra em tema tão importante como o do nosso idioma, mais importante que o Pórtico da Glória em palavras também do grande Castelão.