Miguel Alves nasceu em Lisboa, mas viveu desde criança em Caminha. Tem 46 anos de idade e é o presidente da Câmara (desde 2013) neste concelho. Foi adjunto de António Costa, atual primeiro-ministro, quando este chefiava o Município de Lisboa e é p atual presidente do Conselho Regional do Norte e líder do PS no Alto Minho.
Ciência e Tecnologia
Iniciou em outubro o seu 3º e último mandato. Qual é o grande objetivo para concretizar antes de ir embora?
Robustecer e diversificar emprego e economia local. Através da criação de uma área empresarial assente num centro de ciência e tecnologia que estamos a preparar com investidores privados. Não queremos indústrias poluentes, que atinjam o nosso cartão de visita: a paisagem, biodiversidade, natureza, qualidade das praias e da montanha.
O turismo é principal vertente na área económica. Nesse aspeto, está o relacionamento com a Galiza. Qual o futuro do ferry boat? E do projeto do forte da ínsua, na foz do Minho?
Desde 2013 temos relações fraternais e institucionais com A Guarda, cortadas pelo anterior executivo. Isto prejudicou os municípios dos dois lados. Reatamos também as carreiras do ferry. Tivemos o problema da pandemia e, agora, o cais do lado de A Guarda está interdito à atracagem do ferry. A responsabilidade de resolver as condicionantes da infraestrutura é dos Portos da Galiza. O meu colega de A Guarda está a exigir com veemência que sejam feitas as devidas reparações.
Estamos a ponderar o funcionamento do ferry de forma mais regular e a equacionar soluções, inclusive a da concessão da carreira a um privado. Há interessados. Com compensações do Município, como sucede com os autocarros. Para que que acautele o funcionamento, pague aos funcionários e trate do desassoreamento.
Na Ínsua, foi feito o concurso de concessão, uma empresa portuguesa ganhou-o. Vai lançar um programa para a primavera/verão, de modo a que haja uma utilização do Forte e da zona de costa. O projeto é complexo porque é em monumento nacional e no meio do mar. Está a ser trabalhado com o Turismo e do Tesouro de Portugal que são os proprietários. Daqui a 2/3 anos deveremos ter a sua utilização no máximo.
“Estamos a ponderar o funcionamento do ferry [com A Guarda] de forma mais regular e a equacionar soluções, inclusive a da concessão da carreira a um privado”
Na mineração do lítio, na Serra d’Arga, o Governo acabou por recuar. Sendo aquele o “petróleo verde” (serve para baterias, ótica, medicamentos, etc.) e Portugal tendo poucos recursos naturais, não o interessava explorar?
A pergunta deve ser colocada em todas as situações de exploração de lítio ou doutros minerais. Estudos indicam que Portugal pode ser, na Europa, quem tem a maior reserva de lítio. A partir daí, temos de saber onde se pode ter riqueza na sua exploração que seja superior à que deixará de haver pelo contexto territorial em causa. Trouxemos grandes especialistas e demonstramos que a valia económica do conjunto da biodiversidade, dos projetos turísticos que estamos a desenvolver, o contexto de desenvolvimento de toda esta zona é muito superior aquilo que podiam vir a ser o efeito de uma mineração.
Praticamente todos os autarcas dos municípios do Alto Minho, aderentes à Águas do Alto Minho, “sofreram” nas últimas autárquicas. A situação já foi resolvida?
Houve uma perceção por parte da população de que a decisão é incorreta, alicerçada nos erros que aconteceram e no preço da água que subiu com esta agregação em que nos colocamos no patamar de Viana do Castelo.
Era a autarquia que praticava o preço mais elevado!
Mas é curioso que também teve algum castigo pela decisão. Há ganhos de escala. Para se fazer a recuperação de perdas de água. Aqui em Caminha, no último ano da sua gestão pela Câmara, mais de 40% dela não era faturada. A Câmara subsidiava o preço e ainda tinha mais 40% da fatura para pagar. Estamos a falar de perda de um milhão de euros. Deixou de acontecer e temos mais eficiência para avançar com obras.
Como está o abatimento da dívida da autarquia?
Deveremos ter o 3º ano consecutivo com resultados positivos no exercício. Caminha continua com uma dívida alta, alicerçada em três ou quatro grandes credores. Com estes, estamos a negociar planos de pagamento que nos permitam alargar prazos.
Por outro lado, estamos a pagar a um mês a fornecedores de e fora do concelho. A dívida a longo prazo está na ordem dos 21 milhões de euros; a curto prazo (acima dos 90 dias), nos 4/5 milhões. O nosso orçamento anual anda nos 25 milhões.
“Deveremos ter o 3º ano consecutivo com resultados positivos no exercício (…) O nosso orçamento anual anda nos 25 milhões”
Fundos Transfronteiriços
Houve recentemente uma reunião, em Tui, dos municípios de ambos os lados do rio Minho relacionada com fundos europeus para a região transfronteiriça em que Caminha também está empenhada!
Não queremos o que parece que se está a preparar. A de critérios permitindo que territórios, que nada têm de transfronteiriço, possam usufruir do dinheiro que vem para a fronteira.
Este, aliás, não é suficiente, em particular nesta fronteira. Por ela passa 50 por centro do tráfego rodoviário fronteiriço, que tem dinâmicas que ultrapassam a lógica de cada nacionalidade. Unimo-nos para dizer, aos governos nacionais, que é preciso acautelar aquilo que é a previsão de financiamento para a fronteira.
Se deixamos muitos “alçapões” na lei para que mais tarde o dinheiro possa ser utilizado, vai acontecer o que tem sucedido ao longo destes anos, é utilizado e investido fora da fronteira. Quem perde são as populações, empresas e instituições de fronteira.
Caminho da Costa de Santiago foi certificado!
É muito vantajosa para Caminha. É hoje um dos que mais cresce. É o único que é sempre acompanhado pelo mar. A certificação vai permitir ter, desde já, um milhão de euros para a sua divulgação.
Quando a ecovia é ligada a V. N. Cerveira?
Quando cheguei à Câmara (2013), não havia um metro de ecovia daqui até Cerveira. Fomos fazendo metros. Estamos a trabalhar na ligação entre Seixas e Caminha. É complexa porque passa no sapal do rio Coura. Outro constrangimento é em Lanhelas, no local onde fica a Quinta da Torre (vai da EN13 até ao rio). O proprietário desta não quer o atravessamento. Há alguns problemas de relacionamento entre ele e a Junta de Freguesia; a mim cabe-me encontrar soluções, é o que tentaremos fazer.
Ucrânia
A conversa aconteceu a 24 do último mês, o dia, histórico, em que a Rússia invadiu a Ucrânia.
“A situação preocupa-me muito. Em primeiro lugar, o drama dos ucranianos que viram as suas fronteiras ultrapassadas numa ação unilateral, bélica, sem qualquer tipo de provocação. Uma violação grosseira do direito internacional. Em causa estão a vidas de homens e mulheres livres que veem o seu país invadido.
Preocupa-me também os soldados russos que são enviados para a frente da batalha, sobre o nome e o pretexto de defesa do Grande Império russo, e as palavras do Putin, uma personagem assustadora. O seu lado mais negro ultrapassa tudo o que é racionalidade na ação. Estamos perante um conflito grave na Europa. Depois de dois anos de pandemia, de travagem na economia, quando pensamos que podíamos levantar a cabeça… quero recordar que tivemos a Gripe Espanhola no despoletar de uma Guerra Mundial”.
Manuel S.
